Presidente da Wada critica os EUA por acordo com fundador da Balco
Vicente Toledo Jr.
Enviado especial do UOL
Em Montreal (Canadá)
O presidente da Wada (sigla em inglês de Agência Mundial Antidoping), Dick Pound, criticou nesta segunda-feira a decisão da justiça dos Estados Unidos em propor um acordo a Victor Conte, fundador do laboratório Balco, pivô do maior escândalo de doping dos últimos anos.
Em troca de uma punição mais branda, Conte confessou ter distribuído esteróides anabolizantes a mais de 30 atletas – entre eles os velocistas norte-americanos Marion Jones e Tim Montgomery – e criado um esquema de lavagem de dinheiro para encobrir as atividades ilegais do laboratório.
"Não me surpreendo com essa barganha, já que a maioria dos processos criminais termina com acordos desse tipo. Mas lamento que alguém que contribuiu sistematicamente para a destruição dos valores do esporte possa escapar sem uma punição severa", lamentou Pound em entrevista coletiva realizada em Montreal, onde acontece a 11ª edição do Mundial de Esportes Aquáticos.
"É uma mensagem ruim que a justiça dos EUA está transmitindo ao mundo. Não é nada encorajador para a luta contra o doping e o uso de drogas ilegais no esporte", completou Pound.
Conte poderia pegar até 25 anos de prisão (20 pela lavagem de dinheiro e cinco pela distribuição de drogas ilegais a atletas), mas deve ter sua pena reduzida para somente quatro meses pela colaboração com as investigações.
Outros dois acusados fizeram acordo semelhante com a justiça norte-americana: James Valente, vice-presidente do Balco, e Greg Anderson, treinador pessoal do jogador de beisebol Barry Bonds, do San Francisco Giants.
Além de abrandar a punição aos fornecedores das drogas, o acordo pode acabar ajudando também os atletas que consumiram as substâncias produzidas no laboratório californiano, uma vez que seus depoimentos permaneceriam sob sigilo judicial.
"Está claro que o laboratório Balco tinha entre seus clientes alguns dos principais atletas do mundo. E que eles conseguiram escapar do nosso radar durante muito tempo", disse, frustrado, o presidente da Wada. "Muitas evidências desse caso não serão reveladas, e muitos atletas envolvidos com doping não serão descobertos", completou.
Entre os atletas supostamente envolvidos com Victor Conte e o laboratório Balco estão Marion Jones, ganhadora de cinco medalhas em Sydney-2000, Tim Montgomery, ex-recordista mundial dos 100 m rasos, Barry Bonds e Jason Giambi, duas das maiores estrelas da liga profissional norte-americana de beisebol.
"Victor Conte e Marion Jones têm versões totalmente opostas sobre o que realmente aconteceu. Ela jura jamais ter usado nada, enquanto ele afirma ter presenciado as aplicações. Um deles está mentindo, e eu ainda tenho esperança de que possamos descobrir quem é", afirmou Pound, ex-nadador canadense que foi finalista olímpico em Roma-1960.
O presidente da Wada disse ainda que, apesar de lamentar a postura da justiça norte-americana no caso Balco, as autoridades dos EUA estão mostrando maior disposição na luta contra o doping. "Tanto que o congresso está preocupado com o assunto e tentando criar uma legislação mais rígida para as ligas profissionais", lembrou.
Como MLB, NBA e outras ligas esportivas dos EUA têm suas próprias regras antidoping – geralmente mais brandas -, a Wada e as federações internacionais têm encontrado dificuldades para fazer valer as regras estabelecidas pelo Código Mundial Antidoping naquele país e, consequentemente, em todo o mundo.
"Se os EUA não aceitam as nossas regras antidoping, muitos outros países se perguntam: ‘por que devemos obedecer se os norte-americanos não fazem o mesmo?’".