Criação de novas instituições desacelera no País.

Ensino privado superior sofre desaceleração após dez anos

Lisandra Paraguassú, Renata Cafardo e Karina Toledo – O Estado de S. Paulo – 03/02/2009 
 
A abertura de novas instituições de ensino superior, principalmente particulares, desacelerou depois de dez anos de expansão no País. Segundo dados do Censo da Educação Superior 2007, divulgados ontem, houve uma oscilação de 0,5% em relação ao ano anterior. Da mesma forma, o ritmo de abertura de cursos de graduação presenciais nas instituições caiu – houve um crescimento de 6,2% entre 2006 e 2007, mas já chegou a ser de 14% entre 2002 e 2003.
 
O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), responsável pelo censo, também informou que o levantamento vai mudar a partir deste ano. Segundo o presidente do Inep, Reynaldo Fernandes, as instituições agora terão de registrar seus dados – número de alunos e professores – com nome, sobrenome e um documento. Até hoje, elas mandavam apenas a quantidade de estudantes e docentes, sem necessidade de comprovação. “Os números vão ficar mais precisos. Hoje a instituição diz que tem três alunos, por exemplo, e não há como checar”, diz Fernandes. O sistema será o mesmo que já está sendo usado no Censo da Educação Básica, chamado de Educacenso. Todos os dados são enviados pela internet.
 
Desde 1994, o número de instituições – assim como o de cursos – vem crescendo aceleradamente. A única exceção foi 1997, ano em que o Ministério da Educação, pela primeira vez, modificou as regras de credenciamento e autorização de funcionamento das instituições e o número caiu 2,7%. Atualmente, das 2.281 instituições, 2.032 são particulares.
 
O ritmo de novos ingressos nas particulares também caiu. Entre 2002 e 2003, o aumento de vagas foi de 7,7%; de 2006 a 2007 – só 2,8%. Já nas federais, a matrícula cresceu 6,8% em 2007, apesar de ter sido criada apenas uma instituição naquele ano – a maior parte das federais criadas no atual governo entrou em funcionamento em 2004 e 2006.
 
Uma das maiores novidades do censo – que apresenta dados de 2007, mas foi coletado em 2008 – é o crescimento considerável dos cursos de graduação a distância e dos tecnológicos. As graduações a distância, que em 2002 eram 46 em todo o País, alcançaram 408 em 2007. De 20,7 mil alunos, passou a 302,5 mil. “Hoje 7% dos ingressantes no ensino superior estão no ensino a distância. Já não é um número insignificante”, diz Fernandes. “A área estava crescendo rápido demais, a ponto de a Secretaria de Ensino a Distância ter resolvido intervir.”
 
No final do ano passado, o Ministério da Educação decidiu reduzir o tamanho de quatro instituições de ensino a distância do País por problemas na qualidade do atendimento depois de um processo de supervisão. O próprio Exame Nacional de Desempenho do Estudante (Enade), que embasa parte da avaliação dos cursos, deverá passar por modificações para atender a análise dos cursos a distância. “No ano que vem já teremos boa parte desses cursos com as primeiras turmas de formandos”, explica Fernandes.
 
Para o presidente do sindicato das mantenedoras de estabelecimentos de ensino superior de São Paulo, Hermes Figueiredo, essas primeiras avaliações podem trazer desilusões. “É preciso um perfil de aluno muito específico para a graduação a distância, quase um autodidata. Houve uma euforia momentânea que tende a estabilizar.” O consultor Carlos Monteiro ressalta que a tendência de crescimento desse tipo de curso é mundial. “Os números em todo o mundo são mega, tanto as taxas de crescimento quanto as de evasão e inadimplência”, diz.
 
TECNOLÓGICOS
 
Os cursos tecnológicos (de curta duração) tiveram grande crescimento. De apenas 636 em 2002, passaram a 3.702. “O Brasil finalmente está se enquadrando na tendência mundial. Os países que se tornaram potências são os que investiram no ensino tecnológico”, diz Monteiro. Para os especialistas, o baixo crescimento no número de instituições é reflexo da própria autorregulamentação do mercado. “Hoje para cada vaga oferecida há uma não preenchida”, afirma Monteiro. “Isso só vai mudar se forem criados mais mecanismos de financiamento, pois o motor desse mercado é a classe C .”
 

 
 
 

Coragem para desatar o nó da educação.

Paulo Renato Souza   – O Estado de S. Paulo – 22/02/2009 
  
 
 
Por que não conseguimos elevar a péssima qualidade de nossas escolas? Sem dúvida, o tema é complexo e envolve um grande número de fatores, que contemplam os problemas de deficiente formação dos professores, falta de preparo específico dos diretores de escola, ausência de um currículo escolar e, em menor medida, as condições materiais da infraestrutura. Hoje, quero abordar um tema tabu que impede a adoção de uma série de medidas que certamente contribuiriam para melhorar a qualidade da educação em nosso país.
 
Refiro-me à exploração política, promovida pelos sindicatos, do espírito corporativo exacerbado que impera no seio do professorado. Essa exploração é muito eficaz e termina por “comover”, de certa forma, amplos segmentos da sociedade que tendem a adotar atitudes paternalistas em relação aos mestres, como se fosse uma quase-ofensa cobrar conhecimentos, desempenho e resultados do trabalho de ensinar. Até mesmo membros de instâncias decisórias do poder público são sensibilizados pelos argumentos corporativos e tomam medidas graves que prejudicam a educação, esquecendo-se das verdadeiras vítimas desse processo, que são as crianças e os jovens que terão seu futuro definitivamente comprometido pela escola ruim.
 
O recente problema enfrentado pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo no processo de seleção dos professores temporários é emblemático. Dado que as próprias regras da carreira de professores efetivos (concursados) impedem que eles preencham todas as vagas para ministrar aulas, a cada ano é necessário admitir um número relativamente elevado de professores temporários. As escolas das periferias urbanas, com todos os seus problemas de pobreza, distância, violência, etc., são as menos escolhidas pelos professores efetivos e concentram o maior número dessas vagas de temporários.
 
Historicamente, a esses professores nunca foi exigida nenhuma prova de conhecimentos pela secretaria. As Diretorias de Ensino deviam selecioná-los para as escolas sob sua jurisdição baseadas apenas no currículo e antiguidade como professores temporários. Agora, definiu-se que essa seleção deveria basear-se, também, nos resultados de uma prova a ser aplicada aos pretendentes a essas posições. Essas escolas de periferia concentram as piores notas nas avaliações e esses resultados estão relacionados a vários fatores, mas, sobretudo, à qualidade dos professores que ali atuam. É óbvio, portanto, que a medida procurava atacar um dos pilares das deficiências de nosso ensino. O sindicato impetrou mandado judicial contra o critério – a favor, portanto, da má qualidade dos professores – e uma juíza entendeu que o risco de ineptos ficarem sem trabalho era maior que o de as crianças serem colocadas sob responsabilidade desses mesmos mestres, garantindo-lhes a liminar! A secretaria continuou lutando bravamente, mas com escasso respaldo na sociedade. Salvo alguns bons editoriais, entre os quais do próprio Estado, pouco foi escutado.
 
Vivi uma experiência semelhante quando da discussão, na Câmara dos Deputados, do projeto que fixou o piso nacional de salários para os professores. Um vez que o Estado estava disposto a investir mais nos salários dos mestres, parecia-me justo que se exigisse uma contrapartida mínima, que seria a demonstração de preparação dos professores para a tarefa de ensinar. Propus uma emenda ao projeto, determinando a criação de um Exame Nacional de Conhecimentos para os Professores. A aprovação nesse exame seria uma condição para que o professor de qualquer das instâncias federativas passasse a obter os benefícios do novo piso salarial. Essa prova seria oferecida anualmente pelo Ministério da Educação e realizada pelos professores em caráter voluntário, como uma opção para o enquadramento nas novas carreiras que contemplassem o piso nacional. A emenda não foi aprovada nem sequer contou com os votos favoráveis dos meus colegas de partido na Comissão de Educação, que cederam às pressões do sindicato nacional dos professores.
 
Nestes dias, a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul deverá examinar um veto da governadora a um projeto de lei que anistia cerca de 6 mil professores que participaram da última greve, que teve um caráter eminentemente político-partidário. Vejamos se os nobres colegas gaúchos pensarão nas crianças e nos jovens que ficaram sem aulas ou cederão às pressões das galerias corporativas.
 
A sociedade brasileira parece finalmente haver despertado para a importância de termos uma educação pública de qualidade como condição para alcançarmos um estágio superior de desenvolvimento econômico e social em nosso país. Multiplicam-se as ações de responsabilidade social em relação à educação e o movimento Todos pela Educação é certamente um ícone desta nova realidade, ao fixar metas de desempenho e se propor a cobrar a ação dos governos para alcançá-las. Curiosamente, contudo, sua voz não foi ouvida no recente episódio dos professores temporários em São Paulo.
 
É claro que é difícil, até constrangedor, tomar partido em questões que têm algum caráter político. Mas se a sociedade e todas as autoridades públicas não estiverem dispostas a enfrentá-las, chamando claramente os sindicatos às suas responsabilidades sociais, a cobrança de metas pouco será além de retórica oportunista. É preciso ter coragem para romper os paradigmas de uma casta sindical que – asseguro-lhes, pois milito na educação como dirigente há mais de 25 anos – é proporcionalmente muito pequena e não representa a imensa maioria dos professores, interessada em exercer com dignidade e competência a sua profissão.
 

Ensino superior e distante

Ensino superior e distante – Folha de S. Paulo – 04/02/2009
 
DADOS DO Censo da Educação Superior de 2007 sugerem que o sistema de ensino de terceiro grau pode estar perto de alcançar um ponto de equilíbrio. Após vários anos em que a taxa de criação de novas instituições superiores beirava os 10% anuais, entre 2006 e 2007 ela foi de mero 0,5%, passando de 2.270 para 2.281 entidades.
Saturação do mercado, porém, não significa que as necessidades do país estejam atendidas. Se o número de matrículas aumentou 8% no período, o de formandos cresceu em ritmo mais lento (3%). Diminui a proporção entre alunos ingressantes e concluintes, que era de 46% em 2006 e passou para 44% em 2007.
Mais preocupante é a queda no número de diplomados em cursos de formação de professores para o ensino básico. Em 2007, formaram-se 70.507 docentes, 4,5% menos que em 2006. Algumas das maiores reduções envolvem profissionais para ensinar disciplinas obrigatórias, como letras (-10%), geografia (-9%) e química (-7%).
Isso num país em que ao menos 300 mil professores carecem de qualificação apropriada para as aulas que ministram. Eis aí uma das principais deficiências da educação nacional. Ela só será sanada com o aprofundamento de uma política de revalorização da profissão, que começa por uma recomposição salarial mas não poderia esgotar-se nela.
Dada a urgência de preparar mais e melhores professores, há que lançar mão de todos os meios -como o ensino a distância, que permite levar a qualificação aonde ela é mais necessária. A boa nova do censo é que essa modalidade conta já com 370 mil matriculados (7% do total), contra 207 mil no ano anterior.
Falta agora criar as condições e os requisitos de qualidade para que esse potencial seja mobilizado na capacitação dos docentes de que o Brasil precisa. Caso contrário, resultará apenas em mais um canal de saturação.