Ensino superior na agenda de preocupações

Jornal O Globo – 09/Out/2013.

O Brasil, infelizmente, carrega a marca de ter uma das piores avaliações nos testes internacionais de qualidade do ensino básico (Pisa). Tem sido feito um grande esforço, desde a Era FH, para reverter este quadro. Há avanços, mas ainda falta muito para o jovem do ensino médio público ter um preparo à altura das exigências do mercado de trabalho de um país com a sétima economia do mundo e que precisa se abrir ainda mais à competição externa.

O mais recente Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade), aplicado em 2012, substituto do antigo Provão, aponta para outro problema, o do ensino superior. Há a lógica de que, se existem deficiências no ensino básico, inevitável que as falhas de formação apareçam na Universidade. Até porque, os problemas se concentram nos estabelecimentos particulares, para onde geralmente vão aqueles que não conseguem entrar na faculdade pública, gratuita. Com sacrifício, tentam arcar com as mensalidades ou conseguem bolsas. Enquanto na Universidade pública, que quase monopoliza a lista das melhores avaliações, entram os estudantes mais bem preparados, por terem se formado em escolas particulares, devido ao nível de renda familiar, mais alto. Contradições brasileiras.

Depois de avaliar 7.228 cursos em 1,6 mil instituições públicas e privadas, o último Enade constatou que 30% dos cursos são deficientes, por receberem os conceitos 1 e 2, enquanto 24,4% estão no topo da classificação, com nota 5. Numa escala de 1 a 5, a maior parte do universo pesquisado (43,9%) ficou no meio, com 3. Se a intenção é ser otimista, afirma-se que um quarto dos cursos é muito bem avaliado. Mas, sendo realista, é preferível chamar a atenção para o índice de 30% de cursos reprovados. É muito alto. Cabe ao MEC cobrar a melhoria da qualidade das escolas, acompanhá-las e puni-las até com o fechamento de cursos. O MEC já foi mais leniente, inclusive na gestão FH. Tem sido mais ativo, mas ainda há casos, por exemplo, como o do curso de Psicologia da UFF, em Niterói, classificado com nota 1 em 2009, conceito que se repetiu em 2012.

Como os conceitos são definidos na comparação entre as escolas (a nota máxima 5 não significa 10, mas apenas identifica as melhores faculdades em relação a si mesmas), o Enade não serve para comparações com o ensino superior de outros países. Mas, a tomar pelo último ranking da “Times Higher Education (THE)”, o mais considerado no mundo, o Brasil também vai mal: a Universidade de São Paulo (USP), situada no levantamento anterior entre as 200 melhores do mundo, desabou no ranking de 2013-2014, ficando entre as 226 e 250 . Precisam ser investigadas as causas. Não há mais qualquer instituição brasileira na elite do ensino superior.

Os esforços se concentram no ensino público básico. Entende-se. Mas o ensino superior brasileiro também deve preocupar Brasília. Que não pode continuar a achar que instalar campus nas periferias é a solução para tudo.

Chile, entre o passado e o futuro

Autor(es): SÉRGIO FAUSTO
O Estado de S. Paulo – 07/10/2013

O interesse pelo Chile vai muito além da estreita e longa faixa de terra na qual o país se espreme entre o Oceano Pacífico e a Cordilheira dos Andes. Nos últimos 40 anos, aproximadamente, desenrolou-se ali uma história capaz de mobilizar corações e mentes em toda a América Latina: a fracassada experiência, com Salvador Allende, da via chilena para o socialismo, de curta duração (1970-1973) e final dramático; a brutalidade da ditadura de Augusto Pinochet, com suas dezenas de milhares de torturados, mortos e/ou desaparecidos e suas reformas econômicas liberais, de 1973 a 1989; e a emergência do Chile como país democrático e mais próspero a partir de 1990.

Sobre o significado desse período da História chilena, competem entre si três narrativas distintas, quando não opostas. A narrativa de inspiração neoliberal atribui os méritos do bom desempenho econômico do Chile desde 1990 às reformas realizadas sob a ditadura. Na sua versão pinochetista, as atrocidades cometidas teriam sido o necessário remédio amargo para livrar o país da “ameaça comunista” e liberar forças de mercado antes atrofiadas. No polo oposto, tem-se a narrativa de uma esquerda nostálgica do governo de Allende, profundamente crítica do “modelo chileno”. Essas duas narrativas, embora com valorações opostas, coincidem em dizer que pouco mudou de essencial no país no atual regime democrático. A terceira narrativa é a articulada no interior da coalizão de centro-esquerda que comandou a política chilena em quatro dos cinco mandatos presidenciais desde a ditadura. Para a Concertación, o Chile tomou-se “outro país” nas últimas duas décadas. Em linhas gerais, os fatos dão respaldo a essa narrativa.

Nesse período, não apenas o Chile foi o país latino-americano que mais aumentou sua renda per capita, como também o que mais progrediu na redução da pobreza. Esse resultado não teria sido alcançado sem um conjunto amplo de políticas e programas sociais. Na área da educação, o país destaca-se como um dos que mais evoluíram na última década em rankings internacionais. Além de seguir em frente, os chilenos passaram a limpo o que havia ficado para trás: uma comissão da verdade identificou e reconheceu os crimes da ditadura e iniciou um programa de reparação às vítimas. Pinochet não terminou seus dias na cadeia, mas os militares subordinaram-se ao poder civil e o general acabou desmoralizado quando se descobriu que tinha recursos “não contabilizados” nos Estados Unidos. Não menos importante, o Chile construiu uma democracia capaz de operar com alternância normal de poder e acordos programáticos entre coalizões estáveis de partidos.

Inegáveis, os avanços das duas últimas décadas revelam hoje, porém, suas insuficiências e contradições. Coube ao movimento estudantil, primeiro o secundarista e depois o universitário, pôr o dedo na ferida aberta por expectativas que o progresso chileno criou, mas não se mostrou capaz até aqui de atender. O ponto politicamente mais sensível está num sistema de educação superior que obriga os alunos a assumir dívidas para financiar seus estudos, mas não os capacita para obter empregos com salários que permitam pagar o empréstimo contraído. Também sensível é a diferença de qualidade entre escolas privadas, escolas privadas subsidiadas pelo governo e escolas públicas. Com a universalização da educação secundária, a matrícula nas universidades cresceu rapidamente, incluindo muitos jovens de famílias de menor renda, que vêm de escolas secundárias piores e enfrentam condições mais adversas para conseguir um bom emprego, uma vez formados nas universidades.

A simpatia angariada pelo movimento estudantil mostra que seus integrantes tocaram num nervo exposto da sociedade chilena: a percepção de que, a despeito dos avanços econômicos e sociais das últimas duas décadas, o Chile continua a ser um país de oportunidades muito desiguais. Ao sentimento de injustiça soma-se o descrédito da política partidária, explicada em parte pela vigência de um sistema eleitoral que força um empate legislativo entre a Concertación, de centro-esquerda, e a Alianza, de centro-direita, e virtualmente impede a representação política fora das duas grandes coalizões. O sistema eleitoral e o modelo educacional são duas heranças até aqui quase intocadas da ditadura.

Em novembro haverá eleições gerais no país. Tudo aponta para o retorno de Michelle Bachelet. Neste que provavelmente será o seu quinto mandato presidencial, a Concertación terá de encontrar resposta para os temas interligados da desigualdade e da representação política. Quando não equacionados, a legitimidade da democracia se vê em xeque.

É preciso reformar o sistema de ensino, aumentando a participação direta e indireta do governo, mas sem cair na tentação de estatizá-lo. Cabe também reforçar o subsídio aos benefícios providenciarios dos trabalhadores que não acumulam o suficiente para uma pensão digna na aposentadoria Iniciativas como essas exigem elevar a carga tributária. Há condições para tanto, mas existem limites que não devem ser ultrapassados, sob pena de prejudicar a competitividade das empresas chilenas. Da mesma forma, deve-se ampliar a representatividade no sistema político sem, no entanto, atiçar a fragmentação partidária e a instabilidade
parlamentar. Economistas e cientistas políticos oferecem fórmulas eventualmente úteis para a solução dessas questões. E no Chile não faltam profissionais competentes nessas áreas, à esquerda e à direita. Mas a política é mais arte do que ciência.

Nas duas últimas décadas o Chile tem mostrado competência na arte de combinar e re-combinar políticas liberais e social-democratas. Essa competência está em teste novamente. Se comprovada mais uma vez, será um alento para o reformismo progressista em toda a América Latina.

 

A chave é aumentar a eficiência

Veja – 07/10/2013

A lentidão na melhoria da infraestrutura e da educação condena o Brasil ao baixo crescimento, ameaçando os avanços sociais

Desde 2010, o Brasil não sabe o que é crescimento vigoroso. A economia parece presa a uma velocidade não muito superior a 2% ao ano, ritmo insuficiente para consolidar os avanços sociais da última década. Enquanto as commodities exportadas pelo Brasil batiam recordes de valorização, os investimentos externos abundavam, possibilitando o crescimento do emprego e a expansão do crédito. O país também se aproveitava dos benefícios de reformas feitas anteriormente, como as privatizações, a abertura da economia e as novas legislações que permitiram o aumento dos financiamentos. Mas esses motores perderam intensidade. Chegou a hora de agregar outros motores à economia. O fundamental será incentivar novas reformas e ações que ampliem a produtividade, a única fonte de crescimento real e sustentável a longo prazo. Um país pode crescer por algum tempo apenas estimulando o crédito e a criação de empregos. Mas o enriquecimento real só será possível se cada um de seus trabalhadores produzir mais valor individualmente, por meio da incorporação de novas técnicas, do aprendizado e dos ganhos de eficiência. Como diz a rotineiramente citada frase do economista americano Paul Krugman, ganhador do Nobel de 2008: “A produtividade não é tudo, mas a longo prazo é quase tudo“. E explica: “A capacidade de um país de ampliar o seu padrão de vida depende quase inteiramente de sua capacidade de aumentar a produção por trabalhador”.

A má notícia é que a produtividade média brasileira permanece praticamente estagnada há duas décadas. Houve avanços em alguns setores, com destaque para a agricultura, mas, no geral, esse indicador pouco tem evoluído. Conforme um estudo do economista turco radicado nos Estados Unidos Dani Rodrik, professor de Princeton, a produtividade do trabalhador brasileiro cresceu ao ritmo de 1,8% ao ano durante as últimas duas décadas. No mesmo período, o indicador subiu 2,2% no México, 3,7% no Peru, 3,8% no Chile e 4% na Turquia. Na Coreia do Sul, que tinha uma renda média semelhante à brasileira, a produtividade avançou a um ritmo de 5%. O país conseguiu ingressar no time das nações desenvolvidas, com um PIB per capita que é o dobro do brasileiro. Os números foram apresentados por Rodrik na semana passada durante o EXAME Fórum 2013, cujo tema foi “Como aumentar nossa produtividade”. O evento contou com a participação de empresários, economistas e também de lideranças políticas, além do presidente do STF, Joaquim Barbosa, e do ministro da Fazenda, Guido Mantega.

Na avaliação dos empresários, a chave para destravar o nó da produtividade passa necessariamente pelo aprimoramento na infraestrutura e naeducação. O presidente da Bosch, Besaliel Soares Botelho, afirmou que a companhia gasta por ano 6 bilhões de reais com desperdícios no processo produtivo causados por deficiência na qualificação educacional dos funcionários. Cledorvino Belini, presidente da Fiat, lembrou que a educação afeta diretamente a inovação. “Há sessenta anos, o Brasil e a Coreia do Sul tinham o mesmo nível de educação, com 35% de analfabetismo”, disse Belini. “Os coreanos erradicaram o analfabetismo, e nós continuamos com 13% de analfabetos. Eles têm 88% dos jovens na universidade, e nós só temos 18%. Isso nos afeta muito, porque a produtividade avança junto com a inovação.” Para Pedro Passos, um dos fundadores da Natura e presidente do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IeDi), o Brasil também deverá se abrir mais à concorrência internacional: “Somos um país fechado, bastante protegido, que deixou de avançar na agenda do comércio mundial há alguns anos”.

Para o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, o planejamento do setor público é essencial na busca por mais produtividade: “O presidente tem de construir um projeto antes de chegar ao governo, e não chegar lá e depois planejar o que tem de ser feito”. Campos defendeu também a meritocracia como essencial para o bom funcionamento da administração pública. Marina Silva destacou a falta de reformas institucionais nos últimos anos: ”O sociólogo não fez a reforma política e o operário não fez a reforma trabalhista”. Aécio Neves, por sua vez, enfatizou a importância da estabilidade das regras para incentivar os investimentos. “É fundamental que tenhamos marcos regulatórios estáveis, que não mudem em função de circunstâncias conjunturais”, afirmou o senador. Nesta terça-feira, Aécio falará para 800 megainvestidores em um seminário promovido pelo BTG Pactual, em Nova York. Eis um trecho do discurso: “Segundo o World Economic Forum, somos apenas o 56° país mais competitivo do mundo. Nossa posição vem piorando, principalmente em um item: qualidade geral de infraestrutura, no qual já caímos trinta posições desde 2010”.

Com reportagem de BiancaAlvarenga