Cérebro já tem zona pré-preparada para alfabetização

Cérebro já tem zona pré-preparada para alfabetização

Estudo revela que a leitura melhora o processamento de estímulos visuais

2010-11-11
Por Marlene Moura

Estudo realizado em letrados, iletrados e ex-iletrados. <br> (Clique para ampliar)

Estudo realizado em letrados, iletrados e ex-iletrados. 
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Identificaram-se, pela primeira vez, imagens detalhadas do impacto da aprendizagem da leitura no cérebro. Segundo o trabalho desenvolvido por diferentes equipas internacionais – onde se incluem dois cientistas portugueses -, “aprender a ler,  mesmo na idade adulta, é uma experiência tão importante para o cérebro que ele redistribui alguns dos seus recursos, obrigando outras funções, como o reconhecimento facial, a abrir mão de parte da sua gleba”. Os resultados da investigação são publicados hoje, on-line, na revista «Science».

Os investigadores, coordenados por Stanislas Dehaene, director da Unidade de Neuro- imagiologia Cognitiva doInserm-CEA (França) e Laurent Cohen, da mesma estrutura, levaram a cabo o estudo com diferentes cientistas das universidades de Paris-Sul e Pierre e Marie Currie, entre outras, assim como com equipas portuguesas, brasileiras e belgas.

Paulo Ventura, da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Lisboa (UL) que participou na investigação, avançou ao «Ciência Hoje», que para experiência, mediram “a actividade cerebral de 63 participantes – de nacionalidade portuguesa e brasileira – divididos em três grupos: letrados (31), iletrados (dez) e ex-iletrados (22 pessoas que não frequentaram a escola com a idade normal e aprenderam a ler em adultos) através de Ressonância Magnética funcional (fMRI)”.

Paulo Ventura

Paulo Ventura

E, comparando a actividade cerebral dos adultos analfabetos com a dos alfabetizados desde a infância ou em idade avançada, os resultados demonstraram que “existe uma actividade massiva resultante da leitura, tanto nas regiões visuais do cérebro como nas que são utilizadas para a linguagem falada”, explicou o cientista.

O investigador da UL sublinhou ainda que “é fundamental percebermos que uma aprendizagem cultural como a leitura tem um impacto muito grande sobre as respostas que o cérebro vai dar, quer sobre a informação escrita quer sobre a falada, e essas modificações podem ocorrer em qualquer idade”.

Uma das razões que leva a relevar a importância deste trabalho é o facto de a escrita ser “uma invenção demasiado recente para ter sido influenciada pela evolução genética humana”, e isso significa que o cérebro “já tinha áreas específicas preparadas para tratar a linguagem escrita e que todos temos zonas cerebrais que nos permitem desenvolver a leitura”, asseverou igualmente Paulo Ventura.

Competição nos hemisférios

José de Morais, outro investigador português, mas integrado na equipa belga (Universidade Livre de Bruxelas), explicou que “aquilo que à primeira vista não deveria ocorrer – modificações no córtex auditivo do iletrado, por falarem e perceberem a fala –, acontece também e verificam-se alterações na região do córtex temporal quando há tratamento fonológico, embora não seja feito da mesma forma”. Ou seja, os analfabetos “têm igualmente uma representação da fala, apesar de ser menos consciente”.

José de Morais

José de Morais

Mais importante para este investigador é perceber que“a estrutura já existia”, mas tinha “outra função” e, aquando da aprendizagem,“passa simplesmente a identifica palavras.” Neste caso, ocorre “uma espécie de ‘reciclagem’ das zonas cerebrais pré-existentes e dedicadas a outras funções” que se dedicará posteriormente a identificar símbolos da escrita e a liga-los com a linguagem falada.

No entanto, este aspecto levantou uma questão: «Será que existem consequências e que outras habilidades são afectadas?» José de Morais respondeu que sim e sustentou que “há uma espécie de estreitamento do hemisfério esquerdo – responsável pelo reconhecimento visual (rostos) – e dá-se uma passagem para o direito”. O investigador referiu ainda que ocorre uma “competição entre o tratamento das palavras escritas e o reconhecimento de caras”.

As conclusões mostram portanto que a leitura melhora o processamento de estímulos visuais orientados horizontalmente no córtex occipital e também conduz ao aparecimento de uma área especializada para palavras no córtex temporal.

A investigação englobou, paralelamente, populações brasileiras e portuguesas por serem de países onde, há dezenas de anos, era frequente as crianças não poderem ir à escola por estarem num ambiente social relativamente isolado e rural. Todos os voluntários incluídos eram pessoas socialmente bem integradas, de boa saúde e a maioria com emprego. A experiência foi realizada com fMRI, de ressonância 3 Tesla, no Centro NeuroSpin (Saclay, França) no caso dos portugueses e no Centro de Investigação em Neurociências do Hospital Sarah Lago (Brasil) para o segundo grupo.

Produção científica acelera, mas inovação patina no Brasil

O Brasil é um dos países que menos registram patentes, embora já invista em ciência valores próximos aos de economias desenvolvidas como Espanha e Itália. Os dados são do Relatório Mundial de Ciência 2010, publicado pela Unesco, que analisou o desempenho global entre 2002 e 2008. O motivo, de acordo com o relatório, é que a ciência no Brasil ainda depende muito do dinheiro público, e os pesquisadores estão, em sua maioria, nas universidades. O cenário é bem diferente das nações desenvolvidas, como os EUA e a maioria dos países da União Europeia, em que empresas têm muito mais peso no financiamento da ciência.

De acordo com o relatório, o setor privado brasileiro é responsável por 45% de todo o financiamento em pesquisa e desenvolvimento científico. Nos Estados Unidos, as empresas são responsáveis por 76%, e a média na União Europeia é de 65%. O problema apontado pelo relatório é que o formato brasileiro desestimula o registro de patentes, um dos principais indicadores de inovação científica. Na análise feita pela Unesco, a corrida pelas patentes aumenta a competitividade industrial e projeta os países para o cenário internacional. Mesmo sendo o 13º na produção científica mundial, a participação do Brasil no mercado mundial de patentes não passa de 0,1%. Pior: o total de registros recuou 7% entre 2002 e 2007, de 134 para 124.