Ninho de pássaro – José Sarney

Folha de São Paulo, sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Ninho de pássaro – José Sarney

MEU TEMPO durante os Jogos Olímpicos se restringiu à contemplação do
Ninho de Pássaro. É belo, mais ainda porque imita a natureza. Quando
vi aquele emaranhado de vigas, percebi que os royalties do projeto
eram devidos a este grande atleta que é o japi, como o chamamos no
Maranhão, também conhecido como sofrê ou corrupião. Este pássaro é um
gênio da construção do seu ninho, feito de gravetos cruzados, levados
com carinho no bico, um a um, sem projeto nem equipes de engenheiros
ou milhares de operários, máquinas e fios, e sem o dinheiro da China.
O ninho do japi não tem por finalidade mostrar ao mundo inteiro que o
homem pode voar andando ou nadar voando, mas, sim, ser o espaço de
continuar a vida, no fruto do seu amor fiel, no pequeno ovinho de sua
companheira, ali escondido, livre dos predadores, de onde vai surgir
outro e novo pássaro, belo como ele, de cores amarelas e pretas.
Depois é a música, aprendendo a cantar como gente. Uma vez, no Palácio
da Alvorada, recebi de presente um corrupião que mostrava seu
patriotismo cantando o Hino Nacional. Oliveira Bastos, o saudoso e
grande jornalista, quando ali me visitou certa vez e o ouviu engrenar
o hino, exclamou: "Aqui os pássaros são recrutas e fanáticos
nacionalistas, todo o tempo entoando canções patrióticas!". Em Pequim,
o que menos se ouviu foi o Hino Nacional. Era um choro danado dos que
ganhavam e dos que perdiam. Será que não criamos expectativas demais
para nós mesmos e para os atletas? Talvez elas sejam necessárias para
incentivá-los quando ninguém o faz. Veja o nosso judoca que confessou
não ter dinheiro nem para comprar a faixa preta do seu esporte, nem
sequer para pagar a inscrição. Menino tirado da rua pela paixão do
esporte. Nós nunca associamos a educação à prática esportiva. Nossas
escolas não dispõem de áreas para ela, e o gosto brasileiro pelo
futebol é mantido pela genial transformação das ruas em estádios.
Delas saíram os nossos grandes atletas do passado e do presente. Com
grande satisfação recebemos a contagem estatística de que a maioria da
população está na classe média, isto é, desfrutando de uma renda
maior. Mas isso verdadeiramente só representará uma melhor qualidade
de vida quando levar os seus integrantes a consumir mais cultura e
lazer. As Olimpíadas nos mostram que ninguém pode ser potência
econômica, política ou militar se não for uma potência cultural, aí
incluída a cultura do esporte, do bem-querer do corpo, que já levava o
romano Juvenal a dizer, antes do Cooper, que "o corpo são faz a cabeça
sã". Para o Brasil não ter dor de cabeça, vamos preparar nossa cabeça
para competir melhor em 2012.

jose-sarney@uol.com.br

Ninho de pássaro – José Sarney

Folha de São Paulo, sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Ninho de pássaro – José Sarney

MEU TEMPO durante os Jogos Olímpicos se restringiu à contemplação do
Ninho de Pássaro. É belo, mais ainda porque imita a natureza. Quando
vi aquele emaranhado de vigas, percebi que os royalties do projeto
eram devidos a este grande atleta que é o japi, como o chamamos no
Maranhão, também conhecido como sofrê ou corrupião. Este pássaro é um
gênio da construção do seu ninho, feito de gravetos cruzados, levados
com carinho no bico, um a um, sem projeto nem equipes de engenheiros
ou milhares de operários, máquinas e fios, e sem o dinheiro da China.
O ninho do japi não tem por finalidade mostrar ao mundo inteiro que o
homem pode voar andando ou nadar voando, mas, sim, ser o espaço de
continuar a vida, no fruto do seu amor fiel, no pequeno ovinho de sua
companheira, ali escondido, livre dos predadores, de onde vai surgir
outro e novo pássaro, belo como ele, de cores amarelas e pretas.
Depois é a música, aprendendo a cantar como gente. Uma vez, no Palácio
da Alvorada, recebi de presente um corrupião que mostrava seu
patriotismo cantando o Hino Nacional. Oliveira Bastos, o saudoso e
grande jornalista, quando ali me visitou certa vez e o ouviu engrenar
o hino, exclamou: "Aqui os pássaros são recrutas e fanáticos
nacionalistas, todo o tempo entoando canções patrióticas!". Em Pequim,
o que menos se ouviu foi o Hino Nacional. Era um choro danado dos que
ganhavam e dos que perdiam. Será que não criamos expectativas demais
para nós mesmos e para os atletas? Talvez elas sejam necessárias para
incentivá-los quando ninguém o faz. Veja o nosso judoca que confessou
não ter dinheiro nem para comprar a faixa preta do seu esporte, nem
sequer para pagar a inscrição. Menino tirado da rua pela paixão do
esporte. Nós nunca associamos a educação à prática esportiva. Nossas
escolas não dispõem de áreas para ela, e o gosto brasileiro pelo
futebol é mantido pela genial transformação das ruas em estádios.
Delas saíram os nossos grandes atletas do passado e do presente. Com
grande satisfação recebemos a contagem estatística de que a maioria da
população está na classe média, isto é, desfrutando de uma renda
maior. Mas isso verdadeiramente só representará uma melhor qualidade
de vida quando levar os seus integrantes a consumir mais cultura e
lazer. As Olimpíadas nos mostram que ninguém pode ser potência
econômica, política ou militar se não for uma potência cultural, aí
incluída a cultura do esporte, do bem-querer do corpo, que já levava o
romano Juvenal a dizer, antes do Cooper, que "o corpo são faz a cabeça
sã". Para o Brasil não ter dor de cabeça, vamos preparar nossa cabeça
para competir melhor em 2012.

jose-sarney@uol.com.br

Na busca do país olímpico

Folha de São Paulo, sábado, 30 de agosto de 2008

Na busca do país olímpico – Walter Ceneviva

Soluções legislativas serão boas quando terminarem com feudos nas
federações e associações esportivas

A FOLHA DESTACOU EM seu editorial de segunda-feira: "Conquistar
medalha olímpica é sempre positivo, mas não tem por que ser prioridade
num país como o Brasil". A medalha tem a qualidade do fato positivo ao
estimular indiretamente a busca do exercício físico e a saúde
conseqüente, mas não é prioritária em si mesma.
Prova disso está na constatação estatística de que o Brasil esteve
ausente de sucessivas Olimpíadas e sem grandes vencedores, mesmo nos
anos 30 do século passado. Só excepcionalmente incluiu medalhistas,
salvo por figuras individuais extraordinárias ou, mais recentemente,
em esportes coletivos.
Lendo o editorial e o pensando em termos de direito, fui constatar que
o Brasil, apesar do retrospecto pobre, é um dos poucos países, desde
1988, a atribuir ao desporto uma seção em sua Constituição.
A Carta Magna quer a autonomia das entidades desportivas dirigentes,
com a organização e o funcionamento das associações -que os governos
observam-, mas também quer a destinação de recursos públicos para a
promoção prioritária do desporto educacional, que não chamou tanta
atenção dos governantes. A Carta impõe tratamento diferenciado (mas
não privilegiado) do desporto profissional. Quer mais a proteção e o
incentivo às manifestações desportivas de criação nacional, das quais
se fala muito pouco, pela evidente razão de que não geram votos.
O problema da distribuição de incentivos reclama atenção da cidadania
e pode ser dada verificando se os mencionados preceitos
constitucionais são cumpridos em seu município ou em seu Estado, para
todas as modalidades olímpicas. A visão geral sugere que não há
reservas minimamente suficientes de recursos públicos para a promoção
do desporto educacional.
O cidadão desejoso de estimular a ação das administrações tem na
normatividade constitucional o rumo necessário para reclamar mudanças
nesse estado de coisas. A comparação com o que acontece em outros
países ajudará o esforço dos que se interessarem pela melhora.
Sabemos que as grandes competições esportivas de caráter planetário
servem como elemento propagandístico, para governos (especialmente os
totalitários), e à divulgação de produtos e empresas sem maior cuidado
com a defesa e com o aperfeiçoamento da ordem social, em cujo contexto
se insere o desporto.
Para obter a ida ao pódio pelos atletas, significado nacionalmente
útil, serão necessários investimentos públicos e a correspondente
atuação administrativa que mesclem a busca olímpica da mente sadia no
corpo sadio.
O aprimoramento desejado passa por uma revisão da estrutura legal
relacionada com a prática esportiva, na aplicação do artigo 217 da
Carta.
Soluções legislativas serão boas quando terminarem com feudos
dominantes no espaço interno das federações e de associações
esportivas municipais, estaduais ou regionais de modalidades
esportivas que agitam o universo financeiro. O mesmo se dirá quanto
aos clubes, com a eternização (e, às vezes, o enriquecimento) de
dirigentes. Idem para a concentração predominante de recursos na
monocultura do futebol. Sacrifica o estímulo a outras práticas. Isso é
ruim. Afinal, a busca do país olímpico resultará na conquista de
melhor saúde para o povo, esta sim prioritária.