Na busca do país olímpico

Folha de São Paulo, sábado, 30 de agosto de 2008

Na busca do país olímpico – Walter Ceneviva

Soluções legislativas serão boas quando terminarem com feudos nas
federações e associações esportivas

A FOLHA DESTACOU EM seu editorial de segunda-feira: "Conquistar
medalha olímpica é sempre positivo, mas não tem por que ser prioridade
num país como o Brasil". A medalha tem a qualidade do fato positivo ao
estimular indiretamente a busca do exercício físico e a saúde
conseqüente, mas não é prioritária em si mesma.
Prova disso está na constatação estatística de que o Brasil esteve
ausente de sucessivas Olimpíadas e sem grandes vencedores, mesmo nos
anos 30 do século passado. Só excepcionalmente incluiu medalhistas,
salvo por figuras individuais extraordinárias ou, mais recentemente,
em esportes coletivos.
Lendo o editorial e o pensando em termos de direito, fui constatar que
o Brasil, apesar do retrospecto pobre, é um dos poucos países, desde
1988, a atribuir ao desporto uma seção em sua Constituição.
A Carta Magna quer a autonomia das entidades desportivas dirigentes,
com a organização e o funcionamento das associações -que os governos
observam-, mas também quer a destinação de recursos públicos para a
promoção prioritária do desporto educacional, que não chamou tanta
atenção dos governantes. A Carta impõe tratamento diferenciado (mas
não privilegiado) do desporto profissional. Quer mais a proteção e o
incentivo às manifestações desportivas de criação nacional, das quais
se fala muito pouco, pela evidente razão de que não geram votos.
O problema da distribuição de incentivos reclama atenção da cidadania
e pode ser dada verificando se os mencionados preceitos
constitucionais são cumpridos em seu município ou em seu Estado, para
todas as modalidades olímpicas. A visão geral sugere que não há
reservas minimamente suficientes de recursos públicos para a promoção
do desporto educacional.
O cidadão desejoso de estimular a ação das administrações tem na
normatividade constitucional o rumo necessário para reclamar mudanças
nesse estado de coisas. A comparação com o que acontece em outros
países ajudará o esforço dos que se interessarem pela melhora.
Sabemos que as grandes competições esportivas de caráter planetário
servem como elemento propagandístico, para governos (especialmente os
totalitários), e à divulgação de produtos e empresas sem maior cuidado
com a defesa e com o aperfeiçoamento da ordem social, em cujo contexto
se insere o desporto.
Para obter a ida ao pódio pelos atletas, significado nacionalmente
útil, serão necessários investimentos públicos e a correspondente
atuação administrativa que mesclem a busca olímpica da mente sadia no
corpo sadio.
O aprimoramento desejado passa por uma revisão da estrutura legal
relacionada com a prática esportiva, na aplicação do artigo 217 da
Carta.
Soluções legislativas serão boas quando terminarem com feudos
dominantes no espaço interno das federações e de associações
esportivas municipais, estaduais ou regionais de modalidades
esportivas que agitam o universo financeiro. O mesmo se dirá quanto
aos clubes, com a eternização (e, às vezes, o enriquecimento) de
dirigentes. Idem para a concentração predominante de recursos na
monocultura do futebol. Sacrifica o estímulo a outras práticas. Isso é
ruim. Afinal, a busca do país olímpico resultará na conquista de
melhor saúde para o povo, esta sim prioritária.