Universidades brasileiras. Pobres financiando ricos…

A ideologia é bacana, educação gratuíta pra todos! Mas, pra quem olha os fatos, a história é outra. São pobres financiando ricos nas universidades brasileiras…  

Recentemente a UFRJ anunciou que precisa de R$ 140 milhões para não fechar as portas. A USP, por sua vez, deve terminar o ano de 2015 com um déficit de R$ 1 bilhão de reais¹. Afundadas em dívidas, a situação dessas duas universidades brasileiras fazem renascer o grande debate no Brasil. Cobrar ou não mensalidade de alunos de universidades públicas?

Um assunto extremamente polêmico e que, portanto, engloba pessoas com opiniões extremamente divergentes no meio dessa discussão.

Mas para termos uma ideia melhor de qual seria uma solução, ao invés de vivermos de ideologia infundada, uma boa estratégia é olhar o que é feito em outros países que são referência em educação. A vantagem de ser o segundo, terceiro, quarto lugar em alguma coisa é que se pode copiar aqueles que estão na sua frente. É rápido, eficiente e geralmente traz bons resultados. E com educação não é diferente….

Estados Unidos. Cada um é responsável pela sua dívida…

Na terra da liberdade, cada aluno paga para estudar nas universidades de elite. Nada é de graça. O aluno que entra no Massachussets Institute of Technology (MIT), por exemplo, tem que arcar com o custo de US$ 40 mil ao ano, ou seja, aproximadamente R$ 650 mil reais por uma graduação de 4 anos.

É um valor extremamente alto, não é mesmo? A pergunta natural que parece surgir disso é: e quem não tem condições de arcar com os custos? Bom, para quem não tiver condições, existem os financiamentos estudantis. Com taxas praticamente nulas de juros, o estudante pode pegar um financiamento e arcar com os custos da universidade durante esse período.

Mas na Terra do Tio Sam, não importa o que acontecer, você tem que quitar a sua dívida. É uma cultura de responsabilidade na qual: “sim, você teve a oportunidade de estudar em uma das melhores universidades do mundo, mas agora você tem que encontrar uma maneira de pagar pelo que recebeu”.

E por que parece razoável fazer uma dívida de US$ 160 mil dólares?

Embora alguns argumentem que os Estados Unidos não seja tão meritocrático assim e venha com aquele papo filosófico, o que os dados mostram é que o retorno sobre o investimento em educação é altíssimo. Em média os alunos do California Institute of Technology (Caltech), por exemplo, recebem US$ 1,029 milhão em 20 anos de trabalho. No caso do MIT, o retorno é de U$$943 mil². Em resumo, o americano que vai pra universidade sabe que não importa de onde ele venha, qual seja o seu sobrenome, ou a sua cor de pele, ele pode entrar em uma universidade de ponta e vai conseguir financiá-la.

Desnecessário dizer que das 10 universidades do mundo, 8 são americanas**.

Inglaterra. Ricos financiando pobres…

A Inglaterra tem um sistema semelhante. Lá, assim como nos Estados Unidos, nada é gratuito. O aluno tem que pagar pelo curso aproximadamente 9 mil libras ao ano, o que para um curso de 4 anos, totalizaria cerca de R$ 200 mil reais.

Apesar da semelhança entre Inglaterra e Estados Unidos, há uma diferença. Na Inglaterra, você também tem direito a um financiamento estudantil. Porém se você está abaixo de uma determinada renda você não precisa pagar esse financiamento depois. Ou seja, se você tem condições de pagar então você paga, se você não tem, a sua dívida é zerada.

Em outras palavras, as pessoas de maior poder aquisitivo acabam financiando os estudos daqueles de poder aquisitivo menor. Esse é um sistema que no longo prazo permite que as pessoas possam ter as mesmas oportunidades.

 
Brasil. Pobres financiando ricos…

E o Brasil, onde fica nisso tudo? No Brasil optou-se por um ensino superior “gratuito”.

Isso é maravilhoso, não é mesmo? Ainda mais para aqueles que vivem do discurso gracioso de que “educação é um direito e deve ser de graça”.

A questão é que, como todo discurso carregado de ideologia, ele peca em uma coisa: analisar os fatos e a situação real.

A começar pelo gratuito entre aspas, pois cada vez mais (felizmente) o brasileiro começa a entender que não é gratuito. Que “não existe essa tal coisa de dinheiro público”. O custo de um aluno na USP por exemplo é de R$ 50 mil reais ao ano*. Mas ao invés dos brasileiros pagarem diretamente à universidade, a população paga indiretamente todos os dias através de impostos, impostos e mais impostos.

Mas esse é o menor dos problemas. O problema é como se organiza o sistema de ensino superior brasileiro.

O Brasil possui um incrível déficit educacional no ensino superior. E o que acontece? Somente alguns podem entrar na universidade pública. Do total de 7 milhões de matrículas em 2011, apenas 27% vão para universidade pública.

E quem entra nas universidades públicas?

Bom, aqueles que tiveram um ensino básico de maior qualidade. Que, no caso do Brasil, todos sabem, é particular. Ou seja, são as pessoas de maior poder aquisitivo que puderam ter um ensino básico de qualidade e por consequências são as que vão entrar na universidade pública.Esqueça aquela história do seu amigo, filho de pedreiro que conseguiu passar em primeiro em medicina da USP. Ela é ótima como inspiração pessoal. Mas política pública não se faz com pontos fora da curva e sim com a grande massa da população. E sinto muito, mas a massa da população não é o amigo filho de pedreiro que estudava entre um farol e outro e passou em primeiro lugar na USP.

Dito isso, serão justamente aqueles que poderiam pagar pelo ensino superior que vão parar nas universidades “gratuitas”. E os que não possuem condições? Bom, esses, além de terem pago os impostos para financiar uma universidade da qual não vão usufruir, ainda vão ter que pagar pela universidade privada. Resumindo, o discurso de ensino gratuito é maravilhoso, mas na prática o que acontece são os pobres financiando ricos…

Solução? Qualquer coisa é melhor do jeito que está…

Dentre os dois, acreditamos que o o modelo inglês é o melhor, basicamente por dois grandes motivos:

O primeiro motivo é que a taxa de juros no Brasil é muito alta. Com juros a 15% ao ano em média, em 5 anos a dívida praticamente dobraria. O que é bem diferente dos Estados Unidos, por exemplo, com juros extremamente baixos. Ou seja, a probabilidade de alguém não pagar aqui por não ter condições financeiras seria extremamente grande…

O segundo motivo, e talvez mais importante, é que a desigualdade no Brasil é extremamente alta e, portanto, faz sentido um modelo em que os ricos financiam os estudos dos mais pobres a fim de reduzir a desigualdade de maneira mais rápida.

Pode haver ainda um debate de qual modelo seria realmente melhor para o Brasil: o americano ou o inglês. E obviamente é uma discussão que poderíamos entrar. O que não se pode aceitar, no entanto, é que o sistema atual brasileiro continue como está, com pobres financiando ricos.

Autor:  Leonardo Siqueira  – Fonte:  http://bit.ly/1QaMllM 

* http://www.shanghairanking.com/pt/ARWU2015.html

** Se dividirmos o orçamento de 2015 de R$4,62 bilhões pelo número de 95 mil alunos, ambos informações públicas. Alguns poderiam dizer que essa medida é muito simplista etc; porém o fato aqui é para chamar atenção que o ensino não é gratuito, pelo contrário, é o cidadão que está pagando esses R$4,62 bilhões.

Seminário discute impactos e caminhos da ciência para o futuro

Cientistas, empresários e divulgadores reuniram-se nesta quarta-feira, 2 de dezembro, em São Paulo, para discutir os rumos e impactos da ciência para a construção de um futuro mais sustentável no País. O seminário “Caminhos da Ciência e Desenvolvimento”, realizado por meio de uma parceria entre entidades de fomento à ciência – BNDES, o CNPq, o CNPEM, a Fapesp e a Finep -, associações e o Conselho de Informações sobre Biotecnologia (CIB), no Centro Britânico Brasileiro, percorreu vários aspectos do conhecimento científico, da produção de alimentos, desenvolvimento de medicamentos e soluções em energia, à comunicação e participação pública nessas transformações.

De acordo com a diretora-executiva do CIB, Adriana Brondani, o objetivo do evento foi apresentar cases de sucesso que demonstram o quanto a ciência tem contribuído para o desenvolvimento do País. “Em um momento de crise de confiança generalizada como o que vivemos, é fundamental nos voltarmos para ciência em busca de soluções”, afirmou.

O físico e diretor do Institute for Cross Disciplinary Engagement, Marcelo Gleiser, que fez a palestra de abertura do evento, ressaltou o que, na sua opinião, é  um dos maiores impactos da ciência na nossa sociedade: a longevidade. “Em 100 anos, a expectativa de vida do ser humano dobrou – de 40 para até 80 anos, em países mais desenvolvidos”. E essa conquista traz novos e ainda maiores desafios para a ciência: uma população que cresce e vive mais, com maior poder de consumo e, consequentemente, uma saturação – maior demanda de recursos do planeta e níveis perigosíssimos de emissão de gases de efeito estufa.

Gleiser, que é também um dos mais reconhecidos divulgadores de ciência no Brasil, observa que o caminho para o desenvolvimento sustentável passará, necessariamente, pelo avanço da biologia molecular e da engenharia genética – o famigerado “Prometeu moderno, que rouba o fogo dos deuses para dar a humanidade”. Daí, a necessidade de, cada vez mais, promover o diálogo entre ciência e sociedade.

“Nós não estamos moralmente preparados para certos tipos de conhecimento. E essa que é a preocupação que os cientistas e as corporações que trabalham nessa área têm que levar em mente quando se relacionam com o público, porque esse é o medo das pessoas. Toda ciência nova que tem a capacidade transformativa – como a engenharia genética que permite redefinir a vida de várias formas –, pode ser absolutamente fantástica, como pode ser algo que assusta. Somente pela transparência é que haverá um diálogo construtivo entre corporações, universidades e sociedade em geral, capaz de resolver os dilemas que temos hoje. Esse é o momento de criar uma nova visão de confiança”, comentou.

Fármacos mais baratos

José Fernando Perez, CEO da Recepta Biopharma, ex-diretor científico da Fapesp e membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC), ainda sobre a questão da longevidade, observou que o câncer é um dos maiores desafios para a ciência atual, pois é uma doença cuja incidência vem aumentando à medida que a expectativa de vida das populações aumenta. “O entendimento profundo dessa doença ainda é muito limitado. Estamos a uma boa distância de chegarmos a uma vacina preventiva, a um entendimento dos mecanismos dessa doença. O câncer é um desafio extraordinário”, disse.

Recepta vem desenvolvendo testes com anticorpos monoclonais – células desenvolvidas para reconhecer e eliminar as células tumorais, produzidos por um clone de um linfócito B parental (que produz os anticorpos contra os antígenos). O procedimento não é novidade, é conhecido desde 1975 e rendeu o Nobel de Medicina de 1984 aos cientistas César Milstein e Georges Köhler. São anticorpos criados em laboratórios a partir de camundongos, mas a empresa brasileira vem conseguindo, por meio da engenharia genética, aplicar a técnica a células humanas. A técnica brasileira teve essa semana a patente concedida. “É um novo paradigma no tratamento do câncer e o Brasil pela primeira vez desenvolverá pesquisas de fase 1. Os médicos brasileiros estão acostumados a aplicar testes clínicos, mas a elaboração dos testes é ainda um desafio, porque não estamos habituados a formulá-los”. A expectativa é que a terapia possa ser oferecida pelo Sistema Único de Saúde a um preço compatível.

Perez falou ainda das dificuldades de se patentear e importar tecnologias no Brasil e do tempo que leva para a Anvisa aprovar os medicamentos: “A Anvisa não gosta muito que se faça testes de fase 1 no Brasil. Ela prefere que se faça aqui a fase de confirmação, que é a fase 3 e 4”.

Perguntado sobre a polêmica com a fosfoetanolamina, conhecida como a “pílula do câncer”, o pesquisador e empresário defendeu a necessidade de se certificar se o medicamento “fará mais bem do que mal ao paciente”. Segundo ele, os estudos sobre a substância ainda estão muito longe de apresentar evidências sobre os mecanismos de ação. “Ainda não foram feitos nem os testes de fase 1, que observam a toxicidade e a dosagem do medicamento”, comentou.

O presidente da Orygen – uma joint venture entre os laboratórios nacionais Biolab e Eurofarma-, Andrew Simpson, concordou que, hoje, um dos grandes entraves para a produção de fármacos novos no Brasil é o tempo que a Anvisa leva para aprovar um medicamento. Entretanto, ele pondera que a Agência Nacional, por ser relativamente nova, tem receio de errar em suas avaliações, e por isso, demora mais que a FDA, a agência americana de controle de alimentos e medicamentos, por exemplo. “Qualidade alta nem sempre vem com agilidade”, disse.

A empresa de Simpson tem planos de iniciar já em 2016 estudos clínicos de uma vacina terapêutica no tratamento de câncer de mama. “Pouca gente tem interesse porque a vacina é um tratamento barato”, comentou, ressaltando a importância de o Brasil investir mais no desenvolvimento de seus próprios fármacos. “É muito importante desenvolvermos medicamentos no Brasil. O custo dos tratamentos hoje é altíssimo e nosso país é relativamente pobre, e o maior cliente das indústrias farmacêuticas é o governo. Por isso, precisamos produzir medicamentos com custo baixo”, afirmou.

Agrossustentabilidade

A diretora do Laboratório de Inovação Genética da Universidade da Califórnia-Davis, Pamela Ronald, defendeu que o desenvolvimento científico pode ser um aliado também da alimentação para uma população crescente, sem destruir o meio ambiente. Segundo ela, algumas técnicas de manipulação genética podem, sim, ser bastante radicais, porém, métodos mais modernos garantem resultados que colaboram para a vida do trabalhador rural, aumentando a produtividade de suas terras, sem provocar a degradação do ambiente.

“A engenharia genética pode reduzir a zero a necessidade de pesticidas nas plantações e beneficiar a biodiversidade de insetos benéficos, como foi observado em plantações de algodão no Arizona”, ressaltou. Outro exemplo foi na China, onde a tecnologia de manipulação dos genes das plantas contribuiu para a redução drástica de inseticida (mais de 7 milhões de quilos, segundo a pesquisadora). A tecnologia contribuiu também para resolver problemas de desnutrição, com o desenvolvimento de espécies de arroz, por exemplo, ricos em vitamina A (chamado golden rice), ou espécies que são mais resistentes a inundações, conforme descreve.

“São os mais vulneráveis que mais precisam dessas tecnologias”, argumentou Ronald. “O problema com a agricultura é que é cada vez mais raro as pessoas verem o sofrimento dos produtores rurais ou sentirem empatia pelas pessoas que sofrem de fome. A produção de orgânicos corresponde a apenas 1% da agricultura mundial. Precisamos pensar nos outros 99% e nos grandes problemas dessa porção”, justificou.

Para o diretor de pesquisa e desenvolvimento da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Ladislau Martin Neto, o Brasil ainda está com um atraso de 20 anos com relação aos Estados Unidos no que diz respeito à P&D na área de agricultura. “Nós não somos muito inovadores. A participação da iniciativa privada na P&D nacional não é expressiva. A tecnologia é o componente decisivo para o crescimento do agronegócio no País, mas para fazer inovação, a ciência por si só não é suficiente”, disse, demonstrando que, ao contrário do que se imagina, o Brasil exporta apenas cerca de 20% da sua produção agrícola. “Precisamos ampliar essa agenda. O País tem um potencial imenso de avançar em agricultura. É preciso saber comunicar bem para conseguir dar prioridade à ciência na agenda política”, considerou.

Martin Neto apresentou as frentes de desenvolvimento da empresa brasileira que, hoje, conta com mais de 2 mil cientistas com doutorado e um planejamento estratégico para até o ano de 2034, que investe em atividades como parcerias público-privadas, segurança alimentar, nanotecnologia e, mais especificamente, na interface agrossustentabilidade: “A grande força de aumentar a produção virá da recuperação de áreas degradadas usando tecnologia”, concluiu.

(Daniela Klebis/Jornal da Ciência)