Coragem para desatar o nó da educação.

Paulo Renato Souza   – O Estado de S. Paulo – 22/02/2009 
  
 
 
Por que não conseguimos elevar a péssima qualidade de nossas escolas? Sem dúvida, o tema é complexo e envolve um grande número de fatores, que contemplam os problemas de deficiente formação dos professores, falta de preparo específico dos diretores de escola, ausência de um currículo escolar e, em menor medida, as condições materiais da infraestrutura. Hoje, quero abordar um tema tabu que impede a adoção de uma série de medidas que certamente contribuiriam para melhorar a qualidade da educação em nosso país.
 
Refiro-me à exploração política, promovida pelos sindicatos, do espírito corporativo exacerbado que impera no seio do professorado. Essa exploração é muito eficaz e termina por “comover”, de certa forma, amplos segmentos da sociedade que tendem a adotar atitudes paternalistas em relação aos mestres, como se fosse uma quase-ofensa cobrar conhecimentos, desempenho e resultados do trabalho de ensinar. Até mesmo membros de instâncias decisórias do poder público são sensibilizados pelos argumentos corporativos e tomam medidas graves que prejudicam a educação, esquecendo-se das verdadeiras vítimas desse processo, que são as crianças e os jovens que terão seu futuro definitivamente comprometido pela escola ruim.
 
O recente problema enfrentado pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo no processo de seleção dos professores temporários é emblemático. Dado que as próprias regras da carreira de professores efetivos (concursados) impedem que eles preencham todas as vagas para ministrar aulas, a cada ano é necessário admitir um número relativamente elevado de professores temporários. As escolas das periferias urbanas, com todos os seus problemas de pobreza, distância, violência, etc., são as menos escolhidas pelos professores efetivos e concentram o maior número dessas vagas de temporários.
 
Historicamente, a esses professores nunca foi exigida nenhuma prova de conhecimentos pela secretaria. As Diretorias de Ensino deviam selecioná-los para as escolas sob sua jurisdição baseadas apenas no currículo e antiguidade como professores temporários. Agora, definiu-se que essa seleção deveria basear-se, também, nos resultados de uma prova a ser aplicada aos pretendentes a essas posições. Essas escolas de periferia concentram as piores notas nas avaliações e esses resultados estão relacionados a vários fatores, mas, sobretudo, à qualidade dos professores que ali atuam. É óbvio, portanto, que a medida procurava atacar um dos pilares das deficiências de nosso ensino. O sindicato impetrou mandado judicial contra o critério – a favor, portanto, da má qualidade dos professores – e uma juíza entendeu que o risco de ineptos ficarem sem trabalho era maior que o de as crianças serem colocadas sob responsabilidade desses mesmos mestres, garantindo-lhes a liminar! A secretaria continuou lutando bravamente, mas com escasso respaldo na sociedade. Salvo alguns bons editoriais, entre os quais do próprio Estado, pouco foi escutado.
 
Vivi uma experiência semelhante quando da discussão, na Câmara dos Deputados, do projeto que fixou o piso nacional de salários para os professores. Um vez que o Estado estava disposto a investir mais nos salários dos mestres, parecia-me justo que se exigisse uma contrapartida mínima, que seria a demonstração de preparação dos professores para a tarefa de ensinar. Propus uma emenda ao projeto, determinando a criação de um Exame Nacional de Conhecimentos para os Professores. A aprovação nesse exame seria uma condição para que o professor de qualquer das instâncias federativas passasse a obter os benefícios do novo piso salarial. Essa prova seria oferecida anualmente pelo Ministério da Educação e realizada pelos professores em caráter voluntário, como uma opção para o enquadramento nas novas carreiras que contemplassem o piso nacional. A emenda não foi aprovada nem sequer contou com os votos favoráveis dos meus colegas de partido na Comissão de Educação, que cederam às pressões do sindicato nacional dos professores.
 
Nestes dias, a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul deverá examinar um veto da governadora a um projeto de lei que anistia cerca de 6 mil professores que participaram da última greve, que teve um caráter eminentemente político-partidário. Vejamos se os nobres colegas gaúchos pensarão nas crianças e nos jovens que ficaram sem aulas ou cederão às pressões das galerias corporativas.
 
A sociedade brasileira parece finalmente haver despertado para a importância de termos uma educação pública de qualidade como condição para alcançarmos um estágio superior de desenvolvimento econômico e social em nosso país. Multiplicam-se as ações de responsabilidade social em relação à educação e o movimento Todos pela Educação é certamente um ícone desta nova realidade, ao fixar metas de desempenho e se propor a cobrar a ação dos governos para alcançá-las. Curiosamente, contudo, sua voz não foi ouvida no recente episódio dos professores temporários em São Paulo.
 
É claro que é difícil, até constrangedor, tomar partido em questões que têm algum caráter político. Mas se a sociedade e todas as autoridades públicas não estiverem dispostas a enfrentá-las, chamando claramente os sindicatos às suas responsabilidades sociais, a cobrança de metas pouco será além de retórica oportunista. É preciso ter coragem para romper os paradigmas de uma casta sindical que – asseguro-lhes, pois milito na educação como dirigente há mais de 25 anos – é proporcionalmente muito pequena e não representa a imensa maioria dos professores, interessada em exercer com dignidade e competência a sua profissão.
 

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