Universidades públicas devem ser pagas? Veja a opinião de especialistas 

Nesta semana, o ministro da Educação , Abraham Weintraub , sugeriu que cursos de pós-graduação de universidades públicas cobrassem mensalidades.

— Não tem o que discordar, tá lá o bonitão com o diploma de advogado, ele paga. Esse tem condição de pagar. (…) E não é pra toda pós-graduação, mas, pras que têm visão de mercado, a gente pode cobrar — afirmou o ministro, na quarta-feira, na Câmara.

No dia seguinte, Jair Bolsonaro desautorizou o ministro :

— Sou contra — disse o presidente, referindo-se a mensalidades tanto da graduação quanto da pós. Para ele, a cobrança nas federais poderia levar alunos de alta renda a sair do país para estudar.

Na segunda-feira, o governador da Bahia, Rui Costa (PT), já havia se posicionado sobre o tema, do lado oposto: na opinião dele, a mensalidade para estudantes com melhores condições financeiras não pode ser tratada como tabu.

O GLOBO ouviu especialistas para saber: afinal, a universidade pública pode cobrar mensalidade dos alunos? Qual seria o modelo ideal de financiamento para as instituições federais?

A Constituição garante a gratuidade dos cursos de graduação, mestrado e doutorado nas universidades públicas. Só os cursos de especialização podem ser pagos.

O professor de História da UFF e da Uerj Marcus Dezemone explica que o princípio da gratuidade do ensino público, vista como instrumento de promoção da igualdade social, remonta à Revolução Francesa e se consolidou no Brasil a partir da Era Vargas, expandindo-se no regime militar.

Para ele, não é só a crise econômica a responsável pelo acirramento do debate acerca do acesso ao ensino:

— Esses questionamentos estão relacionados à chegada ao ensino superior de grupos que historicamente foram excluídos dele — diz.

Hoje, segundo a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições de Federais de Ensino Superior, 66,2% dos alunos das federais são de baixa renda, pardos ou pretos, e vêm de escola pública.

Remi Castioni, professor da Faculdade de Educação da UNB

Remi Castioni, professor da UNB Foto: Arquivo Pessoal
Remi Castioni, professor da UNB Foto: Arquivo Pessoal

Não acho que o fim da gratuidade acabaria com o papel do Estado na educação. Mas também não acho que o fim da gratuidade proporcione recursos de uma monta considerável para o financiamento das universidades. Precisamos regulamentar de fato a autonomia das universidades. Hoje, elas não têm autonomia de fato, porque dependem do MEC , do caixa único do Tesouro. Precisamos dar liberdade às universidades para que possam alocar seus recursos de forma eficiente e captá-los junto à sociedade. Se discutíssemos uma autonomia universitária genuína, essa questão da gratuidade ou não poderia ser enfrentada de verdade. Ter, por exemplo, a liberdade de fazer pesquisas tanto com empresas privadas como com movimentos sociais como o MST.

José Marcelino Pinto, professor da USP e especialista em políticas educacionais

José Marcelino Pinto, professor da USP Foto: Arquivo Pessoal
José Marcelino Pinto, professor da USP Foto: Arquivo Pessoal

Nos EUA, as universidades públicas cobravam cerca de 15% do custo aluno. Se fizéssemos parecido, esses 15% não resolveriam o problema e criaríamos uma casta dentro da universidade. Ampliaríamos em 5% o orçamento. Podemos usar melhor os recursos. Temos capacidades ociosas. Podemos ocupar o período noturno, que é esvaziado, fortalecer políticas afirmativas. Outro ônus da cobrança é que ela traria a lógica do “se eu pago, eu posso definir o que vou aprender e estudar”. Inverte-se a lógica do interesse público acima dos interesses particulares. A melhor forma de os mais ricos contribuírem para a universidade pública é pagando impostos. É preciso ampliar as alíquotas do Imposto de Renda e tributar dividendos. Isso permitiria ampliar o acesso à universidade sem retirar seu caráter público.

 Paulo Meyer, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

Paulo Meyer, pesquisador do Ipea Foto: Arquivo Pessoal
Paulo Meyer, pesquisador do Ipea Foto: Arquivo Pessoal

Há pessoas que são contra qualquer tipo de cobrança, e tem outro lado que fala em cobrar mensalidade de todos ou de uma parte, dependendo da renda. Tenho estudado um mecanismo que concilia esses dois lados: garante a gratuidade durante os estudos, mas exige uma contribuição dos egressos, quase uma doação compulsória, vinculada à renda. Poderíamos colocar a estrutura de desconto na fonte, para recolher um percentual da renda do egresso, e esse dinheiro voltar para a universidade onde a pessoa estudou. Isso poderia ser como um empréstimo. Quem se forma na universidade pública pagaria, digamos, 5% ou 10% de sua renda, com recolhimento na fonte, como ocorre com o Imposto de Renda. É semelhante ao que faz hoje o modelo australiano.

Salomão Ximenes, professor da UFABC e especialista em políticas educacionais

Salomão Ximenes, professor da UFABC Foto: Arquivo Pessoal
Salomão Ximenes, professor da UFABC Foto: Arquivo Pessoal

A cobrança de mensalidade colocaria em risco a ampliação do acesso aos estudantes. A partir de que renda colocaríamos o sarrafo? Isso dificultaria o acesso, sobretudo, de estudantes que têm uma renda intermediária; e o efeito da cobrança sobre o orçamento seria muito pequeno. O debate é feito de uma forma muito simplista, como se estudantes de alta renda fossem imorais por usufruir da universidade pública. Outro efeito muito negativo seria perder para universidades privadas uma parcela de estudantes altamente qualificados. Hoje, a gratuidade ajuda a atrair os melhores estudantes, seja qual for sua renda, para universidades públicas, e isso é um patrimônio. Eu não vejo alternativa que não seja o financiamento público dessas instituições, como estratégia de desenvolvimento humano, científico e tecnológico do país.

Simon Schwartzman, sociólogo e especialista em economia da educação

Simon Schwartzman, sociólogo Foto: Leo Pinheiro / Agência O Globo
Simon Schwartzman, sociólogo Foto: Leo Pinheiro / Agência O Globo

Os benefícios da educação superior são muito grandes, e as pessoas devem pagar por isso. Ao mesmo tempo, não podemos colocar um sistema de cobrança que impeça pessoas que não tenham dinheiro de estudar. O ideal seria criar um sistema de crédito no qual a pessoa comece a pagar quando comece a trabalhar. Quem ganha mais, paga mais. É claro que não conseguiremos pagar integralmente os custos de uma universidade apenas com anuidade dos alunos, em nenhum lugar do mundo isso é possível. Não podemos dispensar o financiamento público, mas essa contribuição seria um extra importante. Seria bom na área da pesquisa que pudessem receber de instituições públicas e privadas por acordos de cooperação; que reduzissem ainda o número de professores com dedicação exclusiva que não fazem pesquisa.

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