Seminário discute impactos e caminhos da ciência para o futuro

Cientistas, empresários e divulgadores reuniram-se nesta quarta-feira, 2 de dezembro, em São Paulo, para discutir os rumos e impactos da ciência para a construção de um futuro mais sustentável no País. O seminário “Caminhos da Ciência e Desenvolvimento”, realizado por meio de uma parceria entre entidades de fomento à ciência – BNDES, o CNPq, o CNPEM, a Fapesp e a Finep -, associações e o Conselho de Informações sobre Biotecnologia (CIB), no Centro Britânico Brasileiro, percorreu vários aspectos do conhecimento científico, da produção de alimentos, desenvolvimento de medicamentos e soluções em energia, à comunicação e participação pública nessas transformações.

De acordo com a diretora-executiva do CIB, Adriana Brondani, o objetivo do evento foi apresentar cases de sucesso que demonstram o quanto a ciência tem contribuído para o desenvolvimento do País. “Em um momento de crise de confiança generalizada como o que vivemos, é fundamental nos voltarmos para ciência em busca de soluções”, afirmou.

O físico e diretor do Institute for Cross Disciplinary Engagement, Marcelo Gleiser, que fez a palestra de abertura do evento, ressaltou o que, na sua opinião, é  um dos maiores impactos da ciência na nossa sociedade: a longevidade. “Em 100 anos, a expectativa de vida do ser humano dobrou – de 40 para até 80 anos, em países mais desenvolvidos”. E essa conquista traz novos e ainda maiores desafios para a ciência: uma população que cresce e vive mais, com maior poder de consumo e, consequentemente, uma saturação – maior demanda de recursos do planeta e níveis perigosíssimos de emissão de gases de efeito estufa.

Gleiser, que é também um dos mais reconhecidos divulgadores de ciência no Brasil, observa que o caminho para o desenvolvimento sustentável passará, necessariamente, pelo avanço da biologia molecular e da engenharia genética – o famigerado “Prometeu moderno, que rouba o fogo dos deuses para dar a humanidade”. Daí, a necessidade de, cada vez mais, promover o diálogo entre ciência e sociedade.

“Nós não estamos moralmente preparados para certos tipos de conhecimento. E essa que é a preocupação que os cientistas e as corporações que trabalham nessa área têm que levar em mente quando se relacionam com o público, porque esse é o medo das pessoas. Toda ciência nova que tem a capacidade transformativa – como a engenharia genética que permite redefinir a vida de várias formas –, pode ser absolutamente fantástica, como pode ser algo que assusta. Somente pela transparência é que haverá um diálogo construtivo entre corporações, universidades e sociedade em geral, capaz de resolver os dilemas que temos hoje. Esse é o momento de criar uma nova visão de confiança”, comentou.

Fármacos mais baratos

José Fernando Perez, CEO da Recepta Biopharma, ex-diretor científico da Fapesp e membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC), ainda sobre a questão da longevidade, observou que o câncer é um dos maiores desafios para a ciência atual, pois é uma doença cuja incidência vem aumentando à medida que a expectativa de vida das populações aumenta. “O entendimento profundo dessa doença ainda é muito limitado. Estamos a uma boa distância de chegarmos a uma vacina preventiva, a um entendimento dos mecanismos dessa doença. O câncer é um desafio extraordinário”, disse.

Recepta vem desenvolvendo testes com anticorpos monoclonais – células desenvolvidas para reconhecer e eliminar as células tumorais, produzidos por um clone de um linfócito B parental (que produz os anticorpos contra os antígenos). O procedimento não é novidade, é conhecido desde 1975 e rendeu o Nobel de Medicina de 1984 aos cientistas César Milstein e Georges Köhler. São anticorpos criados em laboratórios a partir de camundongos, mas a empresa brasileira vem conseguindo, por meio da engenharia genética, aplicar a técnica a células humanas. A técnica brasileira teve essa semana a patente concedida. “É um novo paradigma no tratamento do câncer e o Brasil pela primeira vez desenvolverá pesquisas de fase 1. Os médicos brasileiros estão acostumados a aplicar testes clínicos, mas a elaboração dos testes é ainda um desafio, porque não estamos habituados a formulá-los”. A expectativa é que a terapia possa ser oferecida pelo Sistema Único de Saúde a um preço compatível.

Perez falou ainda das dificuldades de se patentear e importar tecnologias no Brasil e do tempo que leva para a Anvisa aprovar os medicamentos: “A Anvisa não gosta muito que se faça testes de fase 1 no Brasil. Ela prefere que se faça aqui a fase de confirmação, que é a fase 3 e 4”.

Perguntado sobre a polêmica com a fosfoetanolamina, conhecida como a “pílula do câncer”, o pesquisador e empresário defendeu a necessidade de se certificar se o medicamento “fará mais bem do que mal ao paciente”. Segundo ele, os estudos sobre a substância ainda estão muito longe de apresentar evidências sobre os mecanismos de ação. “Ainda não foram feitos nem os testes de fase 1, que observam a toxicidade e a dosagem do medicamento”, comentou.

O presidente da Orygen – uma joint venture entre os laboratórios nacionais Biolab e Eurofarma-, Andrew Simpson, concordou que, hoje, um dos grandes entraves para a produção de fármacos novos no Brasil é o tempo que a Anvisa leva para aprovar um medicamento. Entretanto, ele pondera que a Agência Nacional, por ser relativamente nova, tem receio de errar em suas avaliações, e por isso, demora mais que a FDA, a agência americana de controle de alimentos e medicamentos, por exemplo. “Qualidade alta nem sempre vem com agilidade”, disse.

A empresa de Simpson tem planos de iniciar já em 2016 estudos clínicos de uma vacina terapêutica no tratamento de câncer de mama. “Pouca gente tem interesse porque a vacina é um tratamento barato”, comentou, ressaltando a importância de o Brasil investir mais no desenvolvimento de seus próprios fármacos. “É muito importante desenvolvermos medicamentos no Brasil. O custo dos tratamentos hoje é altíssimo e nosso país é relativamente pobre, e o maior cliente das indústrias farmacêuticas é o governo. Por isso, precisamos produzir medicamentos com custo baixo”, afirmou.

Agrossustentabilidade

A diretora do Laboratório de Inovação Genética da Universidade da Califórnia-Davis, Pamela Ronald, defendeu que o desenvolvimento científico pode ser um aliado também da alimentação para uma população crescente, sem destruir o meio ambiente. Segundo ela, algumas técnicas de manipulação genética podem, sim, ser bastante radicais, porém, métodos mais modernos garantem resultados que colaboram para a vida do trabalhador rural, aumentando a produtividade de suas terras, sem provocar a degradação do ambiente.

“A engenharia genética pode reduzir a zero a necessidade de pesticidas nas plantações e beneficiar a biodiversidade de insetos benéficos, como foi observado em plantações de algodão no Arizona”, ressaltou. Outro exemplo foi na China, onde a tecnologia de manipulação dos genes das plantas contribuiu para a redução drástica de inseticida (mais de 7 milhões de quilos, segundo a pesquisadora). A tecnologia contribuiu também para resolver problemas de desnutrição, com o desenvolvimento de espécies de arroz, por exemplo, ricos em vitamina A (chamado golden rice), ou espécies que são mais resistentes a inundações, conforme descreve.

“São os mais vulneráveis que mais precisam dessas tecnologias”, argumentou Ronald. “O problema com a agricultura é que é cada vez mais raro as pessoas verem o sofrimento dos produtores rurais ou sentirem empatia pelas pessoas que sofrem de fome. A produção de orgânicos corresponde a apenas 1% da agricultura mundial. Precisamos pensar nos outros 99% e nos grandes problemas dessa porção”, justificou.

Para o diretor de pesquisa e desenvolvimento da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Ladislau Martin Neto, o Brasil ainda está com um atraso de 20 anos com relação aos Estados Unidos no que diz respeito à P&D na área de agricultura. “Nós não somos muito inovadores. A participação da iniciativa privada na P&D nacional não é expressiva. A tecnologia é o componente decisivo para o crescimento do agronegócio no País, mas para fazer inovação, a ciência por si só não é suficiente”, disse, demonstrando que, ao contrário do que se imagina, o Brasil exporta apenas cerca de 20% da sua produção agrícola. “Precisamos ampliar essa agenda. O País tem um potencial imenso de avançar em agricultura. É preciso saber comunicar bem para conseguir dar prioridade à ciência na agenda política”, considerou.

Martin Neto apresentou as frentes de desenvolvimento da empresa brasileira que, hoje, conta com mais de 2 mil cientistas com doutorado e um planejamento estratégico para até o ano de 2034, que investe em atividades como parcerias público-privadas, segurança alimentar, nanotecnologia e, mais especificamente, na interface agrossustentabilidade: “A grande força de aumentar a produção virá da recuperação de áreas degradadas usando tecnologia”, concluiu.

(Daniela Klebis/Jornal da Ciência)

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