Prática desportiva conduz a atitudes socialmente negativas:: 2008-09-26 Por Jeniffer Lopes
Centenas de jovens portugueses são adeptos da prática de desportos colectivos. Há os que optam pelo futebol, os que preferem o basquetebol, voleibol, andebol ou outros desportos ainda. Ao exercício destas modalidades associam-se, comummente, vantagens – a da manutenção de um corpo saudável e até a da tendência para uma mais fácil sociabilização dos que se dedicam a uma prática regular. Um estudo, desenvolvido por Carlos Gonçalves, investigador da Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física da Universidade de Coimbra (FCDEFUC), vem pôr em causa a noção comum de que o desporto forja o carácter. O estudo aponta até para uma prática do desporto que, segundo o contexto, pode levar a atitudes socialmente negativas, tendentes para a agressividade e intolerância. |
Treinador de basquetebol desde 1981, Carlos Gonçalves, actualmente docente da FCDEFUC, decidiu utilizar a sua experiência profissional para levantar uma série de questões sobre a prática actual do desporto. Na tese de doutoramento que desenvolveu, o investigador analisa a relação entre a prática desportiva e o desenvolvimento de competências socialmente positivas.
Para levar a cabo o estudo a que se propunha, o investigador realizou um inquérito junto de mil praticantes de desporto organizado, com idades entre os 13 e os 16 anos, abordando questões relacionadas com orientação motivacional, atitudes face ao desporto e comportamento dos treinadores.
Treinador representa um elemento decisivo
O investigador contou ao Ciência Hoje que, com base nas respostas obtidas, foi possível concluir que, “nas idades em estudo, um ambiente de treino orientado para o auto-aperfeiçoamento e autonomia pode predizer a expressão de atitudes socialmente positivas, enquanto um ambiente de treino orientado exclusivamente para a competição pode predizer a expressão de atitudes socialmente negativas”.
Segundo Carlos Gonçalves, os dados da observação e a percepção dos praticantes permitem afirmar que “o treinador representa um elemento decisivo na construção do ambiente”. Entre a grande maioria dos treinadores não existe consciência do papel do técnico enquanto formador ou educador, constatando-se uma tendência para trabalhar unicamente a vertente do rendimento dos atletas.
Uma prática desportiva continuada, gratificante e com sentido para o jovem participante vai permanecer para o resto da vida como experiência positiva |
Apesar do respeito pelo aspecto formal das regras associadas à modalidade praticada e da não aceitação de comportamentos violentos que, regra geral, os atletas demonstram ter, é comum a adesão a atitudes anti-desportivas, como o exercício de pressão psicológica sobre os adversários ou tentativas de influenciar as decisões dos árbitros.
Associar uma dimensão pedagógica
A tendência actual é para associar ao desporto uma dimensão pedagógica. A “Educação Física” é até uma disciplina obrigatória nos ensinos básico e secundário. Carlos Gonçalves revelou ao CH que “o desporto permanece uma poderosa e única ferramenta pedagógica para o desenvolvimento integral do indivíduo”. No entanto, como afirma, “o contexto pode levar a atitudes socialmente negativas, como a agressividade, a aceitação de violência, intolerância face aos outros ou face aos mais fracos e pouco respeito por normas de boa conduta”.
O docente da FCDEFUC fala mesmo numa “patologia social” que pode levar as próprias famílias a pressionar os jovens, os treinadores e os árbitros no sentido da obtenção de resultados, o que conduz a situações contrárias à ética desportiva.
Árbitros sofrem pressões para alterar resultados |
Quando questionado sobre o que tem de mudar na prática do desporto, Carlos Gonçalves explica que será importante “intervir na organização e enquadramento das competições para crianças e jovens, alterar a formação de treinadores, pouco conscientes de implicações educativas da sua acção, sensibilizar os outros adultos significantes, em especial as famílias, para a exigência de qualidade do ambiente de prática desportiva”.
Tendo em conta que, como o afirma Carlos Gonçalves, “uma prática desportiva continuada, gratificante e com sentido para o jovem participante vai permanecer para o resto da vida como experiência positiva”, será importante criar condições para o exercício correcto, e num contexto adequado, de qualquer modalidade desportiva.
Trezentos mil jovens com menos de 16 anos praticam desporto organizado em Portugal. Dado o facto de a investigação e literatura produzidas sobre o tema são escassas, o estudo de Carlos Gonçalves vem permitir perceber melhor a prática de desporto organizado e indicar o caminho a seguir para corrigir o que está errado ou menos bem.
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