Português: Ferramenta indispensável

Isto é num. 1995 – 28/1/2008
 
Apenas 26% dos adultos são plenamente alfabetizados, mas falar e escrever bem é crucial para progredir na vida
 
O Brasil vive um momento positivo na economia, apesar da crise nos mercados financeiros mundiais. Os investimentos estão em alta, a demanda cresce e o nível de desemprego registrado em 2007, de 9,3%, foi o menor em cinco anos. Mesmo com os ventos favoráveis, quem não possui qualificação tem mais dificuldade de se colocar no mercado de trabalho e é mais mal remunerado. Só um maior acesso à educação é capaz de mudar esse quadro. E a ferramenta indispensável para tirar proveito dos estudos, causar boa impressão numa entrevista de emprego e abrir as portas do crescimento profissional é a correta utilização da língua.
 
Esse é um dos maiores problemas do brasileiro. Pesquisas mostram que, no País, apenas 26% das pessoas entre 15 e 64 anos são plenamente alfabetizadas. Isto é, têm domínio total das habilidades de leitura e escrita.
 
Exames aplicados em estudantes também refletem essa realidade. Os resultados do Pisa (sigla, em inglês, para Programa Internacional de Avaliação de Alunos), prova que mede a eficiência de leitura em adolescentes de 15 anos em 56 países, divulgados no ano passado, foram muito ruins. O Brasil ficou na 48ª colocação. Numa escala até cinco, mais da metade parou no nível um ou abaixo disso. Ou seja, só conseguem localizar informações explícitas no texto e fazer conexões simples. Pior: o desempenho dos estudantes foi inferior ao da prova aplicada em 2003.
 
“Nós necessitamos de um esforço nacional para combater nossa incapacidade de lidar com a língua escrita”, diz a lingüista Stella Bortoni, professora da Universidade de Brasília (UnB). “Há uma incongruência entre nossa capacidade econômica e de leitura crítica da informação. É preciso que o aluno saia da escola lendo com produtividade.” Com 30 anos de experiência de sala de aula e 20 assessorando empresas, o professor Sérgio Nogueira, autor do livro O português do dia-a-dia, diz que as pessoas só começam a se preocupar quando essa carência afeta a vida profissional. “Aí correm desesperados atrás de cursos”, afirma ele, consultor das Organizações Globo, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e de vários escritórios de advocacia.
 
E não há muitos cursos disponíveis. Com exceção de aulas de português voltadas para concursos, o que existe são companhias preocupadas em investir na qualidade da comunicação de seus funcionários, como a PricewaterhouseCoopers. Há mais de dez anos, a empresa de auditoria contrata os serviços do professor Sérgio Nogueira. “A idéia é consertar vícios de linguagem que as pessoas têm, ensiná-las a ler, interpretar e escrever de maneira adequada no mundo dos negócios”, diz João Cesar Lima, sócio e líder de recursos humanos da Price. Essa preocupação é ainda maior com a nova geração criada com a internet, meio em que a comunicação ocorre de maneira bastante informal.
 
A popularização do e-mail, aliás, pode ser considerada um divisor de águas. Antes, a correspondência das empresas se dava por carta, que era redigida com calma e revisada por três ou quatro pessoas até chegar ao destinatário. “Hoje, a troca de informação ocorre com muita rapidez e sem intermediários. Por isso, o e-mail expõe o profissional”, diz Nogueira. Se cometer erros de português, ele corre o risco de virar motivo de chacota entre os subordinados ou ser malvisto pelo chefe. E as pessoas parecem ter consciência disso. Quando começou a prestar consultoria, nos anos 80, Nogueira era chamado para dar aulas para secretárias. Na década passada, o público foi ampliado, mas a primeira meia hora era tomada em um processo de convencimento da importância do curso. Hoje, ele não sente nenhuma dificuldade em começar a aula e as turmas estão sempre cheias.
 
“A troca de informação ocorre com muita rapidez e o e-mail expõe o profissional “
 
SÉRGIO NOGUEIRA, PROFESSOR DE PORTUGUÊS E CONSULTOR DE EMPRESAS
 
O governo tem alguns projetos para tentar melhorar esse quadro. Lançou em 2004 o Programa Nacional de Bibliotecas, que distribui livros para as escolas, depois o Pró-letramento, que investe na formação continuada de professores, e em fevereiro dá início às Olimpíadas de Português. “Esperamos a adesão de mais de 300 mil alunos”, diz Maria do Pilar, secretária de educação básica do Ministério da Educação. A idéia é inspirada em um projeto da Fundação Itaú Social.
 
Embora o brasileiro tenha imensa dificuldade em lidar com o idioma escrito, curiosamente, o Museu da Língua Portuguesa, aberto há dois anos em São Paulo, é o mais freqüentado do País, com 580 mil visitantes por ano. “As pessoas se identificam, se vêem representadas no museu”, afirma Antônio Carlos Sartini, superintendente da instituição. Localizado em um dos marcos arquitetônicos da cidade, a Estação da Luz, ele fisga quem o conhece por sua abordagem moderna e interativa. O museu recebe dezenas de estudantes por dia, a maioria de escolas públicas. “Os professores nos dizem que a procura de livros na biblioteca aumenta depois da visita”, diz ele. Até o fim do ano, Portugal também contará com um museu voltado para o português. No futuro, Sartini espera que haja um intercâmbio grande entre as duas instituições.
 
Dificuldade
Os estudantes brasileiros saem-se mal nas avaliações internacionais de leitura: 48º lugar entre 56 países
 
A língua une Brasil e Portugal, mas a ortografia não. Até o início do século XX, os dois países seguiam uma norma escrita complicada, que buscava a raiz latina ou grega para escrever cada palavra, como “pharmácia” e “estylo”. Em 1911, Portugal fez a primeira reforma simplificando a escrita. De lá para cá, ocorreram outras mudanças que aproximaram as formas de escrever dos países lusófonos, mas elas nunca foram unificadas. Em 1990, foi firmado um acordo padronizando a ortografia nas oito nações em que o português é o idioma oficial – hoje é a única língua que tem duas grafias oficiais. A nova norma já foi ratificada pelo Brasil, por Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, o que permite sua entrada em vigor nesses países. As mudanças são pequenas (leia quadro) e atingem mais a grafia lusitana. Portugal resiste em adotá-la por pressão dos editores de livros que temem perder o mercado africano para o Brasil. “Além disso, há o velho conservadorismo português com ciúme da influência cultural brasileira”, diz Marcos Vilaça, presidente da Academia Brasileira de Letras.
 
Alguns focos de insurgência na sociedade civil começam a brotar no velho continente. A Associação Mares Navegados, organização que promove o intercâmbio cultural entre os dois países, passará a usar a nova ortografia em março. Um grupo de ensino importante do país, a Universidade Lusófona, de Lisboa, também planeja adotar a nova ortografia em suas 14 revistas em breve. A língua é viva. Se o governo português não acordar, será atropelado pelos fatos.

As universidades federais sob Lula

 Artigo – Paulo Renato Souza  – O Estado de S. Paulo  – 27/1/2008
 
Em reiteradas oportunidades o presidente Lula reivindica ser o que mais investiu em universidades federais em nosso país. Até o momento, essa postulação se resume a planos e projetos, mas não encontra guarida nos dados de suas realizações. Na semana do último Natal, o Ministério da Educação (MEC) divulgou os dados do Censo do Ensino Superior correspondente ao ano de 2006. Eles revelam sérias ineficiências nas federais nos anos recentes e nos permitem interessantes comparações entre o primeiro mandato do presidente Lula e os de seu antecessor.
 
Comecemos pelas matrículas. Durante todo o período do governo FHC, elas cresceram 46%, sendo 12% no primeiro mandato e 30% no segundo, cumulativamente. No primeiro governo Lula a expansão foi de 11% nos quatro anos, mas dois terços desse aumento (7%) ocorreram no ano de 2003, ainda como conseqüência das políticas adotadas até 2002. Nos três anos seguintes, a matrícula cresceu apenas 4% no total, muito abaixo até mesmo do crescimento populacional do País. É interessante destacar que o mesmo fenômeno se observa nos cursos noturnos. As matrículas cresceram 20% e 60% nos dois governos FHC – alcançando 93% no período total – e apenas 14% no primeiro governo Lula. Novamente, 11% desta expansão se verificara apenas no ano de 2003. Não deixa de ser irônico que um governo que se quer popular e de esquerda tenha aumentado as matrículas noturnas nas universidades federais em menos de 3%, no total, nos últimos três anos!
 
A enorme expansão nas matrículas durante o período FHC se deu mantendo o mesmo número de instituições e aumentando levemente o número de professores. Nos anos do governo Lula o crescimento do número de professores foi muito maior do que o de alunos, o que levou a um aumento de sua ineficiência medida pela relação aluno/professor, que em si já é baixa se comparada com as melhores universidades do mundo.
 
No item das conclusões, as tendências gerais são as mesmas: crescimento de 35% e 24% em cada um dos períodos FHC e 17% no primeiro governo Lula, sendo 18% apenas em 2003. Ou seja, o número de conclusões nas federais foi menor em 2006 do que havia sido em 2003!
 
Autoridades do MEC, seguindo o cacoete do presidente, acusaram o governo FHC, alegando que supostas “falta de custeio e a carência de recursos humanos” na época teriam provocado esses resultados recentes. Como se vê, não se deram ao trabalho de olhar os números em detalhe para enxergar a sua própria responsabilidade. Na verdade, essa é uma nova versão da balela sobre um inventado “sucateamento” das federais durante o governo FHC, que, à época, foi difundido à exaustão, numa reprodução das velhas táticas totalitárias de repetir a mentira até que ganhe foros de verdade. Refutei esses argumentos em trabalho repleto de dados postado nessa semana no site da Associação dos Reitores das Federais (ver também em meu site, abaixo indicado). O artigo mostra que não ocorreu essa alegada falta de custeio. Demonstra que no segundo mandato de FHC a média anual dos recursos destinados às federais para custeio e investimento foi superior à do primeiro mandato de Lula. Fica também evidente que não houve carência de recursos humanos e que melhorou muito a qualificação do corpo docente das federais, com maior proporção de mestres e doutores.
 
No meu entender, resultados tão díspares de um governo para o outro são explicados basicamente por duas políticas hoje abandonadas. Em primeiro lugar, em 1998 foi introduzida a Gratificação de Estímulo à Docência, a GED, que vinculava uma parte significativa da remuneração dos docentes ao seu desempenho, avaliado segundo critérios objetivos fixados por cada universidade. Quesitos como o número de aulas por semana, as aulas nos cursos noturnos, as publicações dos professores eram itens incluídos na maioria das instituições. A partir de 2003 a gratificação passou a ser igual para todos, independentemente do seu desempenho.
 
Em segundo lugar, a distribuição de recursos de custeio para as universidades desde 1999 estava baseada numa matriz de desempenho. Tinha peso relevante o número de alunos matriculados, o de alunos nos cursos noturnos, os programas de pós-graduação, além de indicadores de eficiência. Essa matriz também foi abandonada a partir de 2003. A importância dessas políticas fica ainda mais evidente ao constatar que os indicadores antes mencionados foram melhores no segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso em relação ao primeiro, justamente quando elas estavam plenamente vigentes.
 
Por que essas políticas foram abandonadas? Por uma visão populista a respeito da gestão das instituições de ensino superior públicas, incompatível com o desempenho acadêmico e com o bom uso dos recursos públicos. Agora, um pouco tarde, o MEC parece ter acordado para os méritos de algumas das medidas adotadas no governo FHC. Batizado de Reuni, o governo lança como grande novidade um programa de incentivos ao desempenho das universidades federais pelo qual serão aquinhoadas com mais verbas as instituições que melhorarem seu desempenho em função de indicadores como a relação aluno por professor e os cursos noturnos. Em princípio, qual a diferença em relação à nossa velha matriz de distribuição de recursos de custeio? Mais um programa copiado e rebatizado! Este governo não terá, entretanto, a coragem de retomar a política de remuneração de professores em função de indicadores de desempenho. Nesse caso, o corporativismo das bases falará mais alto, pois o compromisso deste governo é maior com as suas corporações do que com os benefícios da ação pública para o conjunto da sociedade.
 
Paulo Renato Souza, deputado federal por São Paulo.